LEI ESTADUAL Nº 11.872/2002
 
SUBTITULO
 
RIO GRANDE DO SUL

Dispõe sobre a promoção e reconhecimento da liberdade de orientação, prática, manifestação, identidade, preferência sexual e dá outras providências.

Art. 1º- O Estado do Rio Grande do Sul, por sua administração direta e indireta, reconhece o respeito à igual dignidade da pessoa humana de todos os seus cidadãos, devendo para tanto, promover sua integração e reprimir os atos atentatórios a esta dignidade, especialmente toda forma de discriminação fundada na orientação, práticas, manifestação, identidade, preferências sexuais, exercidas dentro dos limites da liberdade de cada um e sem prejuízos a terceiros.

§ 1º - Estão abrangidos nos efeitos protetivos desta lei todas as pessoas,
naturais e jurídicas, que sofrerem qualquer medida discriminatória em
virtude de sua ligação, pública ou privada, com integrantes de grupos
discriminados, suas organizações ou órgãos encarregados do desenvolvimento
das políticas promotoras dos direitos humanos.

§ 2º - Equiparam-se aos órgãos e organizações acima referidos a coletividade
de pessoas, ainda que indetermináveis, e sem personalidade
jurídica, que colabore, de qualquer forma, na promoção dos direitos
humanos.

§ 3º - Sujeitam-se a esta lei todas as pessoas, físicas ou jurídicas, que
mantém relação com a Administração Pública Estadual, direta ou indireta,
abrangendo situações tais como relação jurídica funcional, convênios,
acordos, parcerias,empresas e pessoas contratadas pela Administração e
o exercício de atividade econômica ou profissional sujeita à fiscalização
estadual.

§ 4º - Possuindo as ofensas mais de um autor, todos responderão
solidariamente, seja pela reparação dos danos, seja pelo dever de evitar
sua propagação ou continuidade.

§ 5º - A proteção prevista nesta lei alcança não somente ofensas individuais,
como também ofensas coletivas e difusas, ensejadoras de danos
morais coletivos e difusos.

§ 6º - A Administração Pública Estadual, direta e indireta, promoverá,
dentre seus servidores e empregados, educação para os direitos
humanos, enfatizando as situações abrangidas nesta lei.


Art. 2º- Consideram-se atos atentatórios à dignidade humana e discriminatórios, relativos às situações mencionadas no artigo 1º, dentre outros:

I - a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória
ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica;

II - proibir o ingresso ou permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento
público ou privado, aberto ao público;

III - praticar atendimento selecionado que não esteja devidamente
determinado em lei;

IV - preterir, sobretaxar ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis,
pensões ou similares;

V - preterir, sobretaxar ou impedir a locação, compra, aquisição, arrendamento
ou empréstimo de bens móveis ou imóveis de qualquer finalidade;

VI - praticar o empregador, ou seu preposto, atos de demissão direta ou
indireta, em função da orientação sexual do empregado;

VII - a restrição a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos
ou privados abertos ao público, em virtude das características previstas
no artigo 1º;

VIII - proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão
homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações
permitidas ao demais cidadãos;

IX - preterir, prejudicar, retardar ou excluir, em qualquer sistema de
seleção, recrutamento ou promoção funcional ou profissional, desenvolvido
no interior da Admnistração Pública Estadual direta ou indireta;

Parágrafo único - a recusa de emprego, impedimento de acesso a cargo
público, promoção, treinamento, crédito, recusa de fornecimento de
bens e serviços ofertados publicamente, e de qualquer outro direito ou
benefício legal ou contratual ou a demissão, exclusão, destituição ou
exoneração fundados em motivação discriminatória.


Art. 3º- Nos contratos, convênios, acordos, parcerias ou quaisquer relações mantidas entre a Administração Estadual, direta ou indireta, deverão as parte observar os termos desta lei, sob pena da imposição das penalidades previstas no art. 9º desta lei.

§ 1º - nos instrumentos contratuais, acordos, convênios, parcerias assim
como qualquer espécie de vínculo formal estabelecido entre as partes,
deverá constar cláusula referindo expressamente a observância desta lei;

§ 2º - a eventual omissão, todavia, não afasta a obrigatoriedade de sua
observância.


Art. 4º- A Administração Pública, direta e indireta, bem como os prestadores de serviço, conveniados ou contratados, não poderão discriminar seus servidores, empregados, colaboradores, prestadores de serviços, bem como deverão promover condições de trabalho que respeitem a dignidade e os direitos fundamentais ameaçados ou violados em virtude da condição ou das situações referidas no artigo 1º desta lei.


Art. 5º- Não são consideradas discriminações injustas as distinções, exclusões ou preferências fundadas somente em consideração de qualificação técnica, informações cadastrais, e referências exigidas e pertinentes para o exercício de determinada atividade pública ou privada, oportunidade social, cultural ou econômica.

§ 1º - a licitude de tais discriminações condiciona-se de forma absoluta,
à demonstração, acessível a todos interessados, da relação de pertinência
entre o critério distintivo eleito e as funções, atividades ou oportunidades
objeto de discriminação.

§ 2º - as informações cadastrais e as referências invocadas como justificadoras
da discriminação serão sempre acessíveis a todos aqueles que
se sujeitarem a processo seletivo, no que se refere à sua participação.


Art. 6º- São passíveis de punição o cidadão, inclusive os detentores de função pública, civil ou militar, e toda e qualquer organização social ou empresa, com ou sem fins lucrativos, de caráter privado ou público, instaladas neste estado, que intentarem contra o que dispõe esta lei.


Art. 7º- A prática dos atos discriminatórios a que se refere esta lei será apurada em processo administrativo, que terá início mediante:

I - reclamação do ofendido;

II - ato ou ofício de autoridade competente;

III - comunicado de organizações não governamentais de defesa da
cidadania e direitos humanos.


Art. 8º- As denúncias de infrações serão apuradas, mediante manifestação do ofendido ou seu representante legal, pelos órgãos governamentais competentes envolvidos na denúncia que deverão seguir os seguintes procedimentos:

§ 1º - A autoridade competente, tomará o depoimento pessoal do
reclamante, no prazo de dez dias;

§ 2º - a fase instrutória, na qual produzirá as provas pertinentes e
realizará as diligências cabíveis, terá o prazo de conclusão de sessenta
dias, garantida a ciência das partes e a possibilidade da produção
probatória e do contraditório;

§ 3º - é facultada a oitiva do reclamante e do reclamado, em qualquer
fase deste procedimento;

§ 4º - finda a fase instrutória, será facultada a manifestação do reclamante
e do reclamado;

§ 5º - por fim, será proferido relatório conclusivo no prazo máximo de
trinta dias do último ato processual, sendo encaminhado para decisão
da autoridade competente;

§ 6º - os prazos ora previstos admitem prorrogação, desde que justificada
devidamente;

§ 7º - as pessoas jurídicas são presentadas por seus administradores ou
prepostos, sendo válida a ciência dos atos procedimentais feita pela
entrega de Aviso de recebimento na sede da pessoa jurídica;

§ 8º - A instauração do procedimento e a prática de seus atos serão
comunicados ao Ministério Público,bem como àquelas entidades de
defesa dos direitos humanos que se habilitarem, durante
qualquer fase do procedimento.


Art. 9º- As penalidades aplicáveis aos que praticarem atos de discriminação ou qualquer outro ato atentatório aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana serão as seguintes:

I - advertência;

II - multa de 150 (cento e cinquenta) UPF-RS (unidade padrão fiscal do
Estado do Rio Grande do Sul;

III - multa de 450 (quatrocentos e cinquenta) UPF-RS (unidade padrão
fiscal do Estado do Rio Grande do Sul);

IV - rescisão do contrato, convênio, acordo ou qualquer modalidade de
compromisso celebrado com a Administração Pública direta ou indireta;

V - suspensão da licença estadual para funcionamento por 30 (trinta)
dias;

VI - cassação da licença estadual para funcionamento.

§ 1º - As penas mencionadas nos incisos II a VI deste artigo não se aplicam
aos órgãos e empresas públicas, cujos responsáveis serão punidos
na forma do Estatuto dos Funcionários Públicos ou da legislação específica
reguladora da carreira do servidor envolvido.

§ 2º - Os valores das multas poderão ser elevados em até 10 (dez) vezes
quando for verificado que, em razão do porte do estabelecimento, resultarão
inócuas.

§ 3º - Quando for imposta a pena prevista no inciso VI supra, deverá ser
comunicada a autoridade responsável pela emissão da licença, que
providenciará a sua cassação, comunicando-se, igualmente, a autoridade
municipal para eventuais providências no âmbito de sua competência.

§ 4º - Os recursos provenientes das multas estabelecidas por esta lei,
serão destinados para campanhas educativas contra a discriminação.


Art. 10º- Aos servidores públicos que, no exercício de suas funções e/ou em repartição pública, por ação ou omissão deixarem de cumprir os dispositivos da presente lei, serão aplicadas as penalidades cabíveis nos termos do Estatuto do Servidor Público ou da legislação específica reguladora da carreira do servidor envolvido.

Parágrafo único - a prática dos atos discriminatórios e atentórios previstos
nesta lei configura falta grave, ensejando a punição do servidor nos
termos do Estatuto do Servidor Público ou da legislação específica reguladora
do servidor envolvido.


Art. 11º- A interpretação dos dispositivos dessa lei e de todos os instrumentos normativos de proteção dos direitos de igualdade, de oportunidade e de tratamento, atenderá ao princípio da mais ampla proteção dos direitos humanos.

§ 1º - nesse intuito, serão observados, além dos princípios e direitos
previstos nessa lei, todas disposições decorrentes de tratados ou
convenções internacionais das quais o Brasil seja signatário, da legislação
interna e das disposições administrativas.

§ 2º - para fins de interpretação e aplicação dessa lei, serão observadas,
sempre que mais benéficas, as diretrizes traçadas pelas Cortes
Internacionais de Direitos Humanos, devidamente reconhecidas pelo
Brasil.


Art. 12º- O Poder Público disponibilizará cópias desta lei para que sejam afixadas
nos estabelecimentos e em locais de fácil leitura pelo público em geral.


Art. 13º- Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.


Art. 14º- Revogam-se as disposições em contrário.



JUSTIFICATIVA

A Constituição Federal cuidou de expressamente incluir, dentre os objetivos fundamentais do Estado,a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. Dentre os direitos e garantias fundamentais, assegurou a expressa igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

A despeito de tais princípios expressos em nossa Constituição, é de conhecimento geral que o preconceito e a discriminação - às vezes velado, outras vezes explícito - permeia o imaginário social. Presente nas diversas formas de manifestação, é muitas vezes tolerado e apenas tratado como uma manifestação jocosa, sem maiores conseqüências.

Basta considerar que apenas muito recentemente foram incorporadas ao nosso ordenamento jurídico as normas que criminalizam a prática da discriminação em decorrência de raça, cor, religião, etnia ou procedência. A proibição da prática, indução ou incitação através dos meios de comunicação social ou por publicação só vem a ser prevista expressamente em 1990.

Cabe-nos, pois, diante deste quadro, a adoção de medidas eficientes, de forma a modificar esta prática tão comum que, inegavelmente, contribuem para uma cultura preconceituosa.

Dentre esta medidas inclui-se a normatização: tornar explícito que a discriminação é vedada por lei, além de constituir uma garantir às minorias, constitui-se em importante elemento de educação e conscientização.

No âmbito desta reconhecida discriminação às diversa minorias, destaca-se a discriminação e o preconceito contra os homossexuais.Preconceito que se revela não só em atos de agressão física - que tornam o Brasil campeão mundial de assassinatos de homossexuais - como também no acesso a empregos e cargos públicos, na incitação a repressão por grupos organizados etc. Discriminação e preconceito que se revelam não só no brutal assassinato do jovem na praça da República, como também no "assassinato" das personagens lésbicas promovido pelo autor em recente novela global.

O presente projeto reproduz - com as necessárias adaptações - a lei estadual 10.948, de 05 de novembro de 2.001 de autoria do Deputado Estadual Renato Simões (PT-SP), a lei municipal nº 9.789, de 11 de maio de 2.000, de Juiz de Fora, Minas Gerais. Projeto semelhante fora apresentado em 26 de maio de 1999 pela Deputada Estadual Moema Gramacho (PT-BA), que já observava que "cabe aos Poderes públicos possibilitar um ambiente respeitoso, saudável e propenso à solidariedade entre as diversas manifestações da sexualidade humana".

É preciso, pois, sensibilizar a sociedade da necessidade do respeito à cidadania dos homossexuais, ao lado das demais minorias discriminadas. É preciso uma série de ações coordenadas que visem construir uma cultura nacional contra a discriminação e pelo reconhecimento das diferenças individuais.

É nesse sentido que esperamos contar com o apoio dos nobres pares desta Casa para aprovação desta propositura.


Sala das Sessões, em 12 de Junho de 2002.
 
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