RIO GRANDE DO SUL
Dispõe sobre a promoção e reconhecimento
da liberdade de orientação, prática,
manifestação, identidade, preferência
sexual e dá outras providências.
Art. 1º-
O Estado do Rio Grande do Sul, por sua administração
direta e indireta, reconhece o respeito à igual
dignidade da pessoa humana de todos os seus cidadãos,
devendo para tanto, promover sua integração
e reprimir os atos atentatórios a esta dignidade,
especialmente toda forma de discriminação
fundada na orientação, práticas,
manifestação, identidade, preferências
sexuais, exercidas dentro dos limites da liberdade de
cada um e sem prejuízos a terceiros.
§ 1º - Estão abrangidos nos efeitos
protetivos desta lei todas as pessoas,
naturais e jurídicas, que sofrerem qualquer medida
discriminatória em
virtude de sua ligação, pública
ou privada, com integrantes de grupos
discriminados, suas organizações ou órgãos
encarregados do desenvolvimento
das políticas promotoras dos direitos humanos.
§ 2º - Equiparam-se aos órgãos
e organizações acima referidos a coletividade
de pessoas, ainda que indetermináveis, e sem
personalidade
jurídica, que colabore, de qualquer forma, na
promoção dos direitos
humanos.
§ 3º - Sujeitam-se a esta lei todas as pessoas,
físicas ou jurídicas, que
mantém relação com a Administração
Pública Estadual, direta ou indireta,
abrangendo situações tais como relação
jurídica funcional, convênios,
acordos, parcerias,empresas e pessoas contratadas pela
Administração e
o exercício de atividade econômica ou profissional
sujeita à fiscalização
estadual.
§ 4º - Possuindo as ofensas mais de um autor,
todos responderão
solidariamente, seja pela reparação dos
danos, seja pelo dever de evitar
sua propagação ou continuidade.
§ 5º - A proteção prevista nesta
lei alcança não somente ofensas individuais,
como também ofensas coletivas e difusas, ensejadoras
de danos
morais coletivos e difusos.
§ 6º - A Administração Pública
Estadual, direta e indireta, promoverá,
dentre seus servidores e empregados, educação
para os direitos
humanos, enfatizando as situações abrangidas
nesta lei.
Art. 2º-
Consideram-se atos atentatórios à dignidade
humana e discriminatórios, relativos às
situações mencionadas no artigo 1º,
dentre outros:
I - a prática de qualquer tipo de ação
violenta, constrangedora, intimidatória
ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica
ou psicológica;
II - proibir o ingresso ou permanência em qualquer
ambiente ou estabelecimento
público ou privado, aberto ao público;
III - praticar atendimento selecionado que não
esteja devidamente
determinado em lei;
IV - preterir, sobretaxar ou impedir a hospedagem em
hotéis, motéis,
pensões ou similares;
V - preterir, sobretaxar ou impedir a locação,
compra, aquisição, arrendamento
ou empréstimo de bens móveis ou imóveis
de qualquer finalidade;
VI - praticar o empregador, ou seu preposto, atos de
demissão direta ou
indireta, em função da orientação
sexual do empregado;
VII - a restrição a expressão e
a manifestação de afetividade em locais
públicos
ou privados abertos ao público, em virtude das
características previstas
no artigo 1º;
VIII - proibir a livre expressão e manifestação
de afetividade do cidadão
homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas
expressões e manifestações
permitidas ao demais cidadãos;
IX - preterir, prejudicar, retardar ou excluir, em qualquer
sistema de
seleção, recrutamento ou promoção
funcional ou profissional, desenvolvido
no interior da Admnistração Pública
Estadual direta ou indireta;
Parágrafo único - a recusa de emprego,
impedimento de acesso a cargo
público, promoção, treinamento,
crédito, recusa de fornecimento de
bens e serviços ofertados publicamente, e de
qualquer outro direito ou
benefício legal ou contratual ou a demissão,
exclusão, destituição ou
exoneração fundados em motivação
discriminatória.
Art. 3º-
Nos contratos, convênios, acordos, parcerias ou
quaisquer relações mantidas entre a Administração
Estadual, direta ou indireta, deverão as parte
observar os termos desta lei, sob pena da imposição
das penalidades previstas no art. 9º desta lei.
§ 1º - nos instrumentos contratuais, acordos,
convênios, parcerias assim
como qualquer espécie de vínculo formal
estabelecido entre as partes,
deverá constar cláusula referindo expressamente
a observância desta lei;
§ 2º - a eventual omissão, todavia,
não afasta a obrigatoriedade de sua
observância.
Art. 4º-
A Administração Pública, direta
e indireta, bem como os prestadores de serviço,
conveniados ou contratados, não poderão
discriminar seus servidores, empregados, colaboradores,
prestadores de serviços, bem como deverão
promover condições de trabalho que respeitem
a dignidade e os direitos fundamentais ameaçados
ou violados em virtude da condição ou
das situações referidas no artigo 1º
desta lei.
Art. 5º-
Não são consideradas discriminações
injustas as distinções, exclusões
ou preferências fundadas somente em consideração
de qualificação técnica, informações
cadastrais, e referências exigidas e pertinentes
para o exercício de determinada atividade pública
ou privada, oportunidade social, cultural ou econômica.
§ 1º - a licitude de tais discriminações
condiciona-se de forma absoluta,
à demonstração, acessível
a todos interessados, da relação de pertinência
entre o critério distintivo eleito e as funções,
atividades ou oportunidades
objeto de discriminação.
§ 2º - as informações cadastrais
e as referências invocadas como justificadoras
da discriminação serão sempre acessíveis
a todos aqueles que
se sujeitarem a processo seletivo, no que se refere
à sua participação.
Art. 6º-
São passíveis de punição
o cidadão, inclusive os detentores de função
pública, civil ou militar, e toda e qualquer
organização social ou empresa, com ou
sem fins lucrativos, de caráter privado ou público,
instaladas neste estado, que intentarem contra o que
dispõe esta lei.
Art. 7º-
A prática dos atos discriminatórios a
que se refere esta lei será apurada em processo
administrativo, que terá início mediante:
I - reclamação do ofendido;
II - ato ou ofício de autoridade competente;
III - comunicado de organizações não
governamentais de defesa da
cidadania e direitos humanos.
Art. 8º-
As denúncias de infrações serão
apuradas, mediante manifestação do ofendido
ou seu representante legal, pelos órgãos
governamentais competentes envolvidos na denúncia
que deverão seguir os seguintes procedimentos:
§ 1º - A autoridade competente, tomará
o depoimento pessoal do
reclamante, no prazo de dez dias;
§ 2º - a fase instrutória, na qual
produzirá as provas pertinentes e
realizará as diligências cabíveis,
terá o prazo de conclusão de sessenta
dias, garantida a ciência das partes e a possibilidade
da produção
probatória e do contraditório;
§ 3º - é facultada a oitiva do reclamante
e do reclamado, em qualquer
fase deste procedimento;
§ 4º - finda a fase instrutória, será
facultada a manifestação do reclamante
e do reclamado;
§ 5º - por fim, será proferido relatório
conclusivo no prazo máximo de
trinta dias do último ato processual, sendo encaminhado
para decisão
da autoridade competente;
§ 6º - os prazos ora previstos admitem prorrogação,
desde que justificada
devidamente;
§ 7º - as pessoas jurídicas são
presentadas por seus administradores ou
prepostos, sendo válida a ciência dos atos
procedimentais feita pela
entrega de Aviso de recebimento na sede da pessoa jurídica;
§ 8º - A instauração do procedimento
e a prática de seus atos serão
comunicados ao Ministério Público,bem
como àquelas entidades de
defesa dos direitos humanos que se habilitarem, durante
qualquer fase do procedimento.
Art. 9º-
As penalidades aplicáveis aos que praticarem
atos de discriminação ou qualquer outro
ato atentatório aos direitos e garantias fundamentais
da pessoa humana serão as seguintes:
I - advertência;
II - multa de 150 (cento e cinquenta) UPF-RS (unidade
padrão fiscal do
Estado do Rio Grande do Sul;
III - multa de 450 (quatrocentos e cinquenta) UPF-RS
(unidade padrão
fiscal do Estado do Rio Grande do Sul);
IV - rescisão do contrato, convênio, acordo
ou qualquer modalidade de
compromisso celebrado com a Administração
Pública direta ou indireta;
V - suspensão da licença estadual para
funcionamento por 30 (trinta)
dias;
VI - cassação da licença estadual
para funcionamento.
§ 1º - As penas mencionadas nos incisos II
a VI deste artigo não se aplicam
aos órgãos e empresas públicas,
cujos responsáveis serão punidos
na forma do Estatuto dos Funcionários Públicos
ou da legislação específica
reguladora da carreira do servidor envolvido.
§ 2º - Os valores das multas poderão
ser elevados em até 10 (dez) vezes
quando for verificado que, em razão do porte
do estabelecimento, resultarão
inócuas.
§ 3º - Quando for imposta a pena prevista
no inciso VI supra, deverá ser
comunicada a autoridade responsável pela emissão
da licença, que
providenciará a sua cassação, comunicando-se,
igualmente, a autoridade
municipal para eventuais providências no âmbito
de sua competência.
§ 4º - Os recursos provenientes das multas
estabelecidas por esta lei,
serão destinados para campanhas educativas contra
a discriminação.
Art. 10º-
Aos servidores públicos que, no exercício
de suas funções e/ou em repartição
pública, por ação ou omissão
deixarem de cumprir os dispositivos da presente lei,
serão aplicadas as penalidades cabíveis
nos termos do Estatuto do Servidor Público ou
da legislação específica reguladora
da carreira do servidor envolvido.
Parágrafo único - a prática dos
atos discriminatórios e atentórios previstos
nesta lei configura falta grave, ensejando a punição
do servidor nos
termos do Estatuto do Servidor Público ou da
legislação específica reguladora
do servidor envolvido.
Art. 11º-
A interpretação dos dispositivos dessa
lei e de todos os instrumentos normativos de proteção
dos direitos de igualdade, de oportunidade e de tratamento,
atenderá ao princípio da mais ampla proteção
dos direitos humanos.
§ 1º - nesse intuito, serão observados,
além dos princípios e direitos
previstos nessa lei, todas disposições
decorrentes de tratados ou
convenções internacionais das quais o
Brasil seja signatário, da legislação
interna e das disposições administrativas.
§ 2º - para fins de interpretação
e aplicação dessa lei, serão observadas,
sempre que mais benéficas, as diretrizes traçadas
pelas Cortes
Internacionais de Direitos Humanos, devidamente reconhecidas
pelo
Brasil.
Art. 12º-
O Poder Público disponibilizará cópias
desta lei para que sejam afixadas
nos estabelecimentos e em locais de fácil leitura
pelo público em geral.
Art. 13º-
Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 14º-
Revogam-se as disposições em contrário.
JUSTIFICATIVA
A Constituição Federal cuidou de expressamente
incluir, dentre os objetivos fundamentais do Estado,a
promoção do bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer
outras formas de discriminação. Dentre
os direitos e garantias fundamentais, assegurou a expressa
igualdade de todos perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza.
A despeito de tais princípios expressos em nossa
Constituição, é de conhecimento
geral que o preconceito e a discriminação
- às vezes velado, outras vezes explícito
- permeia o imaginário social. Presente nas diversas
formas de manifestação, é muitas
vezes tolerado e apenas tratado como uma manifestação
jocosa, sem maiores conseqüências.
Basta considerar que apenas muito recentemente foram
incorporadas ao nosso ordenamento jurídico as
normas que criminalizam a prática da discriminação
em decorrência de raça, cor, religião,
etnia ou procedência. A proibição
da prática, indução ou incitação
através dos meios de comunicação
social ou por publicação só vem
a ser prevista expressamente em 1990.
Cabe-nos, pois, diante deste quadro, a adoção
de medidas eficientes, de forma a modificar esta prática
tão comum que, inegavelmente, contribuem para
uma cultura preconceituosa.
Dentre esta medidas inclui-se a normatização:
tornar explícito que a discriminação
é vedada por lei, além de constituir uma
garantir às minorias, constitui-se em importante
elemento de educação e conscientização.
No âmbito desta reconhecida discriminação
às diversa minorias, destaca-se a discriminação
e o preconceito contra os homossexuais.Preconceito que
se revela não só em atos de agressão
física - que tornam o Brasil campeão mundial
de assassinatos de homossexuais - como também
no acesso a empregos e cargos públicos, na incitação
a repressão por grupos organizados etc. Discriminação
e preconceito que se revelam não só no
brutal assassinato do jovem na praça da República,
como também no "assassinato" das personagens
lésbicas promovido pelo autor em recente novela
global.
O presente projeto reproduz - com as necessárias
adaptações - a lei estadual 10.948, de
05 de novembro de 2.001 de autoria do Deputado Estadual
Renato Simões (PT-SP), a lei municipal nº
9.789, de 11 de maio de 2.000, de Juiz de Fora, Minas
Gerais. Projeto semelhante fora apresentado em 26 de
maio de 1999 pela Deputada Estadual Moema Gramacho (PT-BA),
que já observava que "cabe aos Poderes públicos
possibilitar um ambiente respeitoso, saudável
e propenso à solidariedade entre as diversas
manifestações da sexualidade humana".
É preciso, pois, sensibilizar a sociedade da
necessidade do respeito à cidadania dos homossexuais,
ao lado das demais minorias discriminadas. É
preciso uma série de ações coordenadas
que visem construir uma cultura nacional contra a discriminação
e pelo reconhecimento das diferenças individuais.
É nesse sentido que esperamos contar com o apoio
dos nobres pares desta Casa para aprovação
desta propositura.
Sala das Sessões, em 12 de Junho de 2002.
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